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sábado, 17 de setembro de 2011

Conto: "O assassino da corveta" Parte I

"Era meia noite quando ouviu-se o barulho. Era um ganido, um pedido de ajuda, um adeus. Não era alto, mas o fez acordar. Foi ver o que era. Levantou-se ainda de olhos fechados, apenas tateando as coisas com as mãos. Achou o interruptor. Antes de apertá-lo, abriu os olhos. Quando acendeu enfim a luz, seus olhos arderam um pouco, desacostumados com a claridade. Era bom morar sozinho, ter o apartamento só para si, não precisava se explicar por ir ver de onde vinha o barulho.
Pegou um guarda-chuva, a coisa mais perigosa que encontrou no caminho entre seu quarto e a porta de sua casa. Abriu-a. 
A rua estava deserta, escura. Um ou outro poste de iluminação ainda funcionava, a maioria estava apagado ou com uma luz tão fraca que era impossível ver. Os poucos que tinham claridade suficiente para iluminar um pequeno trecho da rua piscavam. Desceu as escadas até a calçada, olhando tudo com atenção, com o guarda-chuva como espada, pronto para se defender. Não seria preciso, a única alma viva naquela rua era ele, vestindo um pijama azul de listras brancas. Seria humilhante sair assim, se sua curiosidade não fosse maior que sua vergonha nesse momento. 
Sentiu um cheiro de sangue. Estava acostumado com esse cheiro, após 30 anos trabalhando na polícia criminal. Alguém morto ou ferido, mais um caso, mais um assassino a solta. 
O assassino podia ainda estar ali, o cuidado tinha que ser redobrado. Seguiu o cheiro, olhando para os lados, já planejando se defender de um serial killer a solta, espreitando e seguindo seus passos, pronto para matá-lo.
Perto da esquina, um cachorro morto, ensanguentado, jogado no chão. 
Um cachorro? Isso não era crime. Quer dizer, um vira-lata morto no meio da rua não era coisa para um homem de sua idade investigar. 
Nunca sequer sairia no jornal "Cachorro é encontrado morto". Porque cachorros mortos não são coisas que dão notícias, ibope. 
Chamaria o Ibama, eles resolveriam o caso. Um homem de 55 anos não devia se preocupar com um cachorro. Para ele não era nada. Um tiro num cachorro. E foi o que fez, chamou o Ibama. Na manhã seguinte estava resolvido. O cadáver do animal não estava mais na rua, o sangue havia sido lavado pela chuva.
Mas sete dias depois, exatamente à meia noite, ouviu novamente um barulho. Primeiro achou ser o vento, mas o grito era agudo demais para ser ignorado. Então um carro arrancou. Não era barulho de sua cabeça, não era um cachorro assassinado. Levantou-se, dessa vez as pressas, sem acender a luz ou pegar guarda-chuva. 
Seu instinto o levou ao mesmo lugar onde havia encontrado o cachorro. E lá estava, uma mulher, de no máximo 25 anos, jogada no chão, com um tiro no peito e outro no meio da testa, a queima roupa. Semi nua, ensanguentada. Ele usava o mesmo pijama, mas não se importava em estar no meio da rua trajando um.
Ajoelhou-se ao lado do corpo estirado, pegando seu pulso e apertando-o com os dedos indicador e médio, esperando algum sinal vital, já que seu tórax não mexia; ela não respirava. E seu coração também não batia mais. 
Esse sim era um caso de polícia. Esse sim sairia no jornal, daria ibope. Correu para sua casa, chamou reforços. Colocou por cima da roupa um sobretudo e voltou para lá, para ao lado da mulher loira coberta de sangue que usava apenas uma lingerie preta. 
Em menos de meia hora, a rua estava lotada. Eram policiais, paramédicos e curiosos. Tinha faixa amarela cercando a cena do crime, sirene de polícia tocando e até equipe de televisão querendo informações. No dia seguinte, só sabiam falar disso. 
Investigaram, investigaram e não teve solução, não acharam o assassino. 
Na semana seguinte, do outro lado da cidade, também à meia noite, outro cachorro de rua foi assassinado. E na outra semana, outra mulher apareceu semi-nua no mesmo lugar onde o cachorro havia sido encontrado morto. A ruiva também tinha um tiro no peito e outro na cabeça. 
E aconteceram por semanas à fio, terça-feira de manhã, de quinze em quinze dias, pegava-se o jornal e lia que uma mulher havia sido achada morta, por quase todas as ruas da cidade. E não tinha solução, os assassinos não deixavam pista. E a mídia pedia por respostas, enquanto a população entrava em desespero. Ninguém mais saía de casa à noite, não importava o dia da semana. O medo era enorme, porque ninguém era poupado. Morriam mulheres brancas, morenas, negras, mulatas, amarelas, de olhos puxados e grandes, gordas e magras, de cabelo liso, ondulado, encaracolado e crespo, ricas, de classe média e pobres, loiras, ruivas, morenas. Sempre com a mesma faixa etária, dos 20 aos 30 anos.
E mesmo assim, mesmo com a população em alarde, semana sim, semana não, morria uma mulher. Ninguém sabia mais o que fazer, até a polícia estava entrando em desespero por não achar a solução e prender o serial killer. 
Ninguém que o via sobrevivia pra contar história. Não era filmado por câmeras. Não deixava fio de cabelo ou impressão digital. O único barulho que se ouvia era do grito da vítima e, no máximo, pneus de carros cantando. Essas eram as únicas informações que tinham.
E o senhor, aquele que encontrou os primeiros cadáveres, continuava trabalhando todo o dia, sem parar nem sequer para almoçar, procurando resposta."
Continua...

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